domingo, 15 de março de 2015

O que foi escrito sobre o 15 de março?

No calor da demonstração contra Dilma finalizada, organizei análises escritas e publicadas por diferentes autores. O material foi retirado do facebook e não tem por objetivo finalizar o debate, mas oferecer diferentes olhares.


Quando você sai à rua com apoio da Globo (dos três multibilionários mais ricos do país), da PM, do poder econômico, você obviamente não está se colocando contra os poderosos, não há rebeldia nenhuma nisso, mas puro conformismo. O pior dos conformismos: aquele que te faz servir a eles até no seu dia de folga.



Observaçōes sobre o ato na Paulista. 

i) é muito maior que o de sexta, que mobilizou a base social do governo; 

ii) há um perturbador corte de classe: nāo vi um único negro, mas a classe média profissional está toda aqui; 

iii) desfile de tendências extremistas: olavistas, skinheads e neonazis discursando à vontade; 

iv) grupos muito diferentes, liberais, conservadores e oposicionistas pragmáticos disputam a liderança do antipetismo difuso da classe média; 

v) nāo há uma pauta clara, nem mesmo o sentimento anticorrupçāo -- apenas o antipetismo e o anticomunismo; 

vi) quem veio, vai gostar da adrenalina e do sentimento de empoderamento das ruas e vai voltar.


O fascismo ainda é, felizmente, o setor mais fraco da oposição anti-Dilma. Existem os pró-desgaste da Dilma para uma vitória eleitoral (claramente psdebista), os pró-impeachment (ainda jogo dentro das instituições) e os pró-intervenção militar. Os dois primeiros são liberais, o último, fascista, que teve que aderir, contra a própria vontade, à manifestação pró-impeachment pelo fracasso de suas manifestações pro-intervenção militar. Não confundamos a coisa. São três estratégias distintas da direita oposicionista que estão disputando a insatisfação generalizada da classe média. É claro que o fascismo pode ganhar força. Mas, não há golpe em andamento. Ainda não.
Não é simplesmente uma luta de ricos contra pobres. A defesa que a população trabalhadora e pobre fazia dos governos do PT está em processo de decadência elevado. A diminuição do crescimento, iniciada em 2011 começou, timidamente, a ruir a satisfação daqueles que, pelo menos durante o segundo mandato do governo Lula, estavam satisfeitos com sua inserção no consumo.
O endividamento da população que havia sido beneficiária da política de créditos é evidente. Agora, com as medidas do governo atual (Medidas Provisórias 663 e 664 – que retira direitos trabalhistas, corte de verbas, diminuição da política de créditos, aumento da taxa de juros) para a saída da crise, a situação dos trabalhadores e das população mais pobres do país tende a piorar significativamente.
O que tem me chegado aos ouvidos é que o dia 15 de março estava sendo conversado nos ônibus da cidade, entre a população pobre. Todo mundo conhece pais, amigos, familiares trabalhadores que estão reproduzindo o discurso da direita oposicionista. Lembremos do poder das igrejas evangélicas (em que uma boa parte delas já elegeu o “comunismo” no poder como a própria encarnação do diabo) nos bairros de periferia. Pode ser que estes setores de trabalhadores não participem hoje das ruas, pela insatisfação não estar ainda generalizada e também porque nunca se sentiram muito bem entre os coxinhas da classe média que estão efetivamente dirigindo e comandando o ato.
Mas, a luta contra o fascismo se faz não simplesmente com discursos, mas com fatos. Medidas que prejudiquem a classe trabalhara vão lança-la diretamente nas mãos da direita oposicionista, caso não haja organizações e movimentos da própria classe trabalhadora que canalizem esta insatisfação para a luta contra a carestia de vida.
Então, parem, por favor, de culpar a turma do NEM 13 Nem 15. Assumir a própria culpa e começar a dar motivos para a população não aderir ao golpismo é algo básico e muito pouco provável.

Por Bruno Klein:

Para mim, a questão mais importante não é se vai haver impeachment. Se isso acontecesse, essa raiva social poderia encontrar satisfação, mesmo que ilusória. Sem o impeachment, para onde vai essa raiva?

Receio que seja recalcada na forma de um comportamento cada vez mais violento e ressentido no cotidiano. A frustração do desejo de transgredir a legalidade e mudar o céu da política a todo custo pode fornecer uma aparência subjetiva de legitimidade para todo tipo de atrocidade no chão da vida social. O indivíduo ressentido pode se dizer: "tentei do jeito certo. Não deu. Agora vai do meu jeito." A esquerda social talvez deva se preparar para uma mudança na gramática das lutas. Se a burguesia e suas franjas médias se derem conta de que a disputa política está viciada por um mar de ignorância -- que ela atribui à massa de estropiados na base da sociedade --, ela pode não arquitetar um programa político próprio, ou mesmo um golpe. Esta última hipótese parece uma veleidade. Ela pode, na verdade, despejar todo ódio e ressentimento acumulados nessa cruzada fracassada sobre seus subalternos. Isso reabriria a atávica caixa preta do sadismo social das classes proprietárias brasileiras. Esse é um contexto que pode alterar o tipo da luta que se dá na sociedade. Talvez se deva esperar toda forma de violação, assédio, demonstração de força, humilhação, etc., nos locais de trabalho e fora deles. Uma classe dominante cuja ideologia já não reivindicaria o menor verniz de civilidade, fornecido pelos apanágios da política, do direito e da razão.

Extrapolando um pouco, a situação é curiosa. Com essa frustração, o consórcio da classe dominante faz a experiência da falsidade da política. Mas ela elabora essa experiência de uma maneira peculiar. Ela reativa a sua ilusão retrospectiva da dominação pura e simples como a "verdadeira origem" de si e a única fonte da ordem. Com isso, a tradição do senhoriato colonial é trazida ao presente, como numa epifania religiosa que revela a verdade há muito esquecida. Mas também essa epifania é uma ilusão, já que nela a classe dominante não pode usurpar a função de sujeito do capital, impotência que retroalimenta a ilusão do originário com mais e mais frustração. Quanto menos sujeito ela pode ser, mais violenta se torna a classe dominante brasileira.

Se essa hipótese tem um grão de verdade, a esquerda, na base da sociedade, também precisa fazer a experiência da falsidade da política. No entanto, ela precisa fazer a sua própria elaboração dessa experiência. Diferentemente da classe dominante e sua claque, a esquerda brasileira não terá nenhum fantasma atávico para orientá-la. Ela não tem nenhuma capacidade de reavivar seu passado glorioso, já que este para ela é, em grande medida, um trem desgovernado de violência. A elaboração daquela experiência que lhe cabe passa pela perda de ilusões que a assombram no presente. Essa situação abre uma brecha histórica que pode articular presente e futuro no aqui e no agora. Essa projeção para fora da máquina de massacrar gente que é a história social brasileira difere da projeção retrospectiva que anima essa direita que vemos.


Na minha opinião, a elaboração que se disponibiliza à experiência da esquerda e dos de baixo pode não assumir uma forma imediatamente antipolítica, no sentido emancipatório do termo. Mas a coisa pode caminhar nesse sentido. As enrascadas do governo petista, que são a aurora daquela ilusão política, como que pressionam esse trabalho de elaboração coletivo tanto quanto o desejo regressivo das oposições de direita aos governos petistas. Nesse momento crepuscular das ilusões de todos os lados, talvez a esperança esteja em que a raiva social dos dominadores encontre um adversário à altura.

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