Lendo sobre a história do sindicalismo norte-americano encontrei um
artigo sobre Mother Jones. Uma mulher vibrante e lutadora que
muitos/as desconhecem. Reproduzo o artigo.
Mother Jones, mãe do sindicalismo norte-americano
(por Elliot J. Corn)
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Hoje, Mother Jones parece ter caído
no esquecimento. Mas, no início do século XX, ela foi uma das mulheres mais
célebres dos Estados Unidos, simbolizando o vigor do movimento operário numa
época em que ainda havia um Partido Socialista no país, pelo qual se
apresentavam candidatos respeitados
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“A torrente de aplausos eclodiu e se
transformou em tumulto quando uma pequena mulher avançou em direção à
tribuna. Com o rosto marcado pela idade, poderia ser a avó de qualquer um;
porém, tratava-se da avó de centenas de milhares de mineradores... Ao escutá-la
falar, compreende-se sua influência sobre essas hordas poliglotas. Ela tinha
a força, o espírito e, sobretudo, a chama da indignação. Ela era o furor
divino encarnado.”
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É assim que o escritor Upton
Sinclair, célebre por seu romance sobre os abatedouros de Chicago (The
Jungle), descreve Mother Jones. E acrescenta: “Ela contava histórias sem
fim de aventuras; das greves lideradas por ela; de seus discursos; das
reuniões com os presidentes, governadores e chefes industriais; da prisão e
dos campos de prisioneiros. Ela havia percorrido todo o país e, onde
estivesse, o fogo do protesto se propagava no coração dos homens. Sua
história é uma verdadeira odisseia de revolta”.1As palavras
de Sinclair são rigorosamente exatas. Durante 25 anos, essa senhora não teve
residência fixa; uma vez, diante do Congresso, explicou: “Da mesma forma que
meus sapatos, meu endereço me segue por onde eu for”.
Entre os 60 e os 80 anos, Mother
Jones renunciou aos amigos, à família e a seus bens para viver na estrada,
com seu povo, e seguir o caminho que as lutas definissem. Esse engajamento
indefectível ao lado dos trabalhadores forjou um sentimento de identificação
entre os operários: além de ativista sindical ou militante política
socialista, ela era considerada a “mãe” dos norte-americanos explorados.
Ao se inteirar de que Mother Jones
havia sido detida novamente, um operário da Virgínia Ocidental se dirigiu ao
ministro do Trabalho: “Já empunhei minha pistola três vezes durante as
guerras industriais deste país e juro diante do Eterno que, se acontecer
qualquer coisa com a velha Mãe, não estou nem velho nem frouxo para
empunhá-la outra vez”. E A. van Tassel, trabalhador de Ohio, suplicou ao
presidente Woodrow Wilson que libertasse o “anjo dos oprimidos”: “Essa bela
heroína do movimento operário não cometeu nenhum crime, mas ela é assassinada
lentamente ao ser punida cada vez mais por lutar, por agir, por defender a
educação e para que os trabalhadores ganhem consciência de sua verdadeira
posição na sociedade”, escreveu.2
Há muitos mitos ao redor de Mother
Jones – e ela mesma contribuiu para a construção de alguns deles. Ela se
apresentava como mais velha do que era, com o objetivo de aumentar seu
caráter respeitável. Por exemplo, em sua autobiografia publicada em 1925, ela
afirma ter nascido em 1° de maio de 1830, dia da festa dos trabalhadores.
Mary Harris – seu verdadeiro nome – veio ao mundo de fato em agosto de 1837,
em Cork, Irlanda. Durante a juventude, enfrentou a Grande Fome (1845-1849), o
que obrigou sua família a migrar para a América do Norte – mais precisamente
para Toronto, onde seu pai encontrou um trabalho de ferroviário e Mary
aprendeu os ofícios de costureira e professora.
Na maioridade, deixou a
família e se instalou em Michigan para lecionar. Em seguida, foi para Chicago,
antes de mudar-se para Memphis (Tennessee), onde se casou com um caldeireiro
sindicalista, George Jones. Dessa união, nasceram quatro filhos, que
faleceram junto com o marido, em 1867, durante uma epidemia de febre amarela.
Mary entendeu o episódio como uma injustiça social: “As vítimas foram
principalmente os pobres e os trabalhadores. Os ricos puderam deixar a cidade
ou mudar-se para longe”, constatou.
Viúva, retornou a Chicago, onde
trabalhou como costureira durante vinte anos. Nesse período, conheceu
militantes políticos e líderes sindicais. A cidade figurava naquele momento
como uma das mais radicais dos Estados Unidos, e foi em suas ruas
fervilhantes que Mary descobriu seu talento de oradora e sua capacidade de
mobilizar multidões.
A invenção de Mary
A dama decidiu então multiplicar seus
engajamentos militantes com a organização de cursos de educação política para
os trabalhadores sindicalistas, a participação na marcha de desempregados a
Washington em 1894, a coordenação da ação de mineradores de antracito na
Pensilvânia, entre outras iniciativas.
Seu ato mais importante, porém, foi
inventar a “Mother Jones”. Mary Harris era uma imigrante irlandesa pobre que
fugiu da fome; Mary Jones, esposa de um operário, mãe de família e viúva,
vivia na pobreza em Chicago; “Mother Jones” seria a “velha Mãe” da classe
operária norte-americana.
Esses novos hábitos a transformaram.
A nativa de Cork se recusava a ser chamada de Mary e assinava seu novo nome
em todas as cartas. Mesmo os homens de negócios e os presidentes dos Estados
Unidos a chamavam dessa forma. Atrás de seus velhos vestidos negros e de sua
imagem de mulher virtuosa e sábia, Mother Jones dissimulava um vigor físico e
oratório incrível. Percorria estradas para participar de encontros políticos,
dar assistência e proferir discursos que denunciavam as leis sem limites do
mercado; também ridicularizava os ricos para que o povo tomasse consciência
de sua própria força e da injustiça de sua condição.
Ela se opunha ao direito de voto das
mulheres − considerava-o uma mera distração burguesa − e acreditava que a
atenção dispensada às questões eleitorais apenas desviava os trabalhadores
dos problemas econômicos: “Os sindicatos devem mobilizar suas mulheres para
os problemas da indústria. A política não é apenas empregada da indústria. Os
plutocratas ocuparam suas mulheres: eles as ocupam com o voto e com a
caridade”,3explica Mother Jones em sua autobiografia.
A “mulher mais perigosa da América”,
segundo as palavras de um procurador da Virgínia Ocidental, resistia à
polícia, aos detetives particulares, ao Exército; desafiava abertamente as
ordens dos juízes, desmoralizava governadores, atacava homens de negócios. E
pagou por suas audácias com muitas temporadas na prisão. Assim que saía,
Mother Jones reincidia: incentivava operários a se sindicalizar e a
interromper o trabalho, além de organizar manifestações com suas esposas que,
munidas de vassouras e esponjas, impediam os fura-greves de penetrar nas
minas. Mother Jones também colaborou com os revolucionários mexicanos
instalados nos Estados Unidos, os prisioneiros políticos da Califórnia e os
siderúrgicos do Centro-Oeste do país.
Entre 1890 e 1910, essa figura do
movimento operário se engajou em centenas de greves – algumas particularmente
violentas –, principalmente ao lado do Sindicato dos Mineiros (United Mine
Workers): greve dos mineiros de cobre de Calumet, dos cervejeiros de
Milwaukee, dos trabalhadores têxteis de Chicago, entre outras. Também
organizou, em 1903, na Filadélfia, uma das primeiras manifestações contra o
trabalho infantil; participou da fundação do Partido Socialista dos Estados
Unidos em 1901 e do sindicato radical Industrial Workers of the World (IWW),
em 1905.
No início do século XX, os
trabalhadores norte-americanos conheceram tempos difíceis; o carvão ainda era
o principal combustível e o trabalho nas minas ocupava 750 mil homens. Esses
mineradores recebiam cerca de US$ 400 por ano, muitas vezes em moeda privada
timbrada pela empresa, o que os forçava a viver nas vilas fundadas pelo empregador
e, portanto, submetidas a seu controle. Os 500 mil siderúrgicos trabalhavam
doze horas por dia, seis dias por semana. Milhões de mulheres e crianças se
esgotavam nas usinas e ateliês de costura por alguns centavos.
Radicalidade apurada
Mother Jones alertava para essas
condições dramáticas de existência. Em 1901, naInternational Socialist
Review, ela descreveu, por exemplo, a vida numa fábrica de algodão:
“Crianças de 6 ou 7 anos eram arrancadas da cama às 4h30 da manhã pelo apito
do feitor. O café da manhã era singelo: café preto, um pedaço de pão
mergulhado no óleo de algodão no lugar de manteiga. Em seguida, esse exército
de servos – tanto os grandes como os pequenos – marchava até os muros da
indústria, onde começavam a jornada às 5h30 em meio ao barulho ensurdecedor
das máquinas que golpeavam essas jovens vidas durante catorze horas todos os
dias”. No fim da descrição, uma constatação: “Fora a queda completa do
sistema capitalista, não vejo solução possível. E acredito que um pai que
vota pela perpetuação do capitalismo é tão mortal quanto se empunhasse uma
pistola e assassinasse os próprios filhos”.4
Mother Jones pertence a uma época que
viu nascer o socialismo de Eugene Debs e Big Bill Haywood, fundador do IWW; o
anarquismo de Emma Goldman; a luta pela libertação de W. E. B. du Bois, o
popular jornalista radical de Julius Wayland, editor da publicação socialista Apelo
à razão. Perante o peso esmagador das empresas privadas nos Estados
Unidos, as ideias desses militantes continuam atuais: mobilizar os
norte-americanos por meio dos sindicatos e dos partidos políticos, passando
pela rebelião aberta.
É nesse contexto de efervescência
social e política que Mother Jones se engajou arduamente na “guerra dos
mineradores” da Virgínia Ocidental de 1912-1913 – confronto que deixou pelo
menos cinquenta mortos.5Alguns anos mais tarde, no fim da
Grande Guerra, sua saúde começou a declinar, assim como suas proezas
oratórias. Ela se dedicou então a escrever sua autobiografia. No dia 1° de
maio de 1930, seus numerosos simpatizantes acreditaram festejar o centésimo
aniversário de Mother Jones – que tinha, na realidade, 93 anos. Seis meses
depois, ela faleceu.
Seus amigos a enterraram no cemitério
do Sindicato dos Mineradores em Illinois, ao lado dos “militantes valentes”
caídos pela causa dos trabalhadores. Milhares de pessoas se reuniram no local
para escutar a oração fúnebre do reverendo John Maguire, e outras dezenas de
milhares seguiram a transmissão da cerimônia pela WCKL, a rádio operária de
Chicago: “Hoje, em suas magníficas mesas de mogno, bem protegidos em capitais
longínquas, os proprietários de minas e os capitalistas suspiram aliviados.
Hoje, nas planícies de Illinois, nas colinas e vales da Pensilvânia e da
Virgínia, na Califórnia, Colorado e Colúmbia Britânica, homens fortes e
mulheres esgotadas pelo trabalho derramam lágrimas amargas. A razão é a
mesma: Mother Jones está morta”.6
Elliot J. Corn
Professor de história na Universidade
Brown e autor de "Mother JOnes: the most dangerous woman in America (
Mother Jones: a mulher mais perigosa da América), Wang and Hill, Nova York,
2001.
1 Upton Sinclair. The coal war [A guerra do carvão]. Boulder: Colorado Associated University Press, 1976. 2 Para encontrar essas diversas cartas, cf. “General records of the department labor, 1907-1942” [Registro geral do Departamento do Trabalho], Arquivo de Chief Clerk, grupo 174, caixa 24, 16/13, e “Conditions of coal fields in West Virginia” [Condições dos campos de carvão no Oeste da Virgínia], Administração de Arquivos e Registros Nacionais. 3 Mother Jones. The Autobiography of Mother Jones [A autobiografia de Mother Jones]. Chicago: Charles Kerr, 1925. 4 Mother Jones. Civilization in Southern mills [Civilização nas fábricas do Sul]. International Socialist Review, Chicago, mar. 1901. 5 David A. Corbin. Life, Work, and Rebellion in the Coal Fields: The Southern West Virginia Miners, 1880-1922 [Vida, trabalho e rebelião nos campos de carvão: os mineradores do sudoeste da Virgínia]. Urbana: University of Illinois Press, 1981. 6 Reverendo John Maguire, Panegyric to Mother Jones [Panegírico a Mother Jones], tirado do boletim semanal da Federação do Trabalho do estado de Illinois, n.16 (37), 1930. |