Eu
tenho uma curta experiência com teatro. Não tenho formação acadêmica, somente cursos
e leituras avulsas. Entre um trabalho e outro, tomei conhecimento da Carta aos
Artistas de Paris, escrita pelo pintor Gustave Coubert, em 19 de março de 1871, na
emblemática revolta popular de Paris, a Comuna. A carta de Coubert fala do seu
contexto histórico, é claro. Porém, não é possível deixar de considerar que
toca pontos silenciados pela classe artística contemporânea. Deixo com você,
caro leitor e leitora, a carta de Coubert.
“Paris,
18 de março de 1871
Meus queridos companheiros artistas,
Meus queridos companheiros artistas,
Vocês me deram a honra, em sua reunião, de me indicar seu presidente. Eu os
estou convocando aqui, em nome do comitê que foi designado a auxiliar-me, para
reportar-lhes sobre nossas fiscalizações e nossas ações. Aproveitaremos também
esse encontro para apresentar diversas idéias que surgiram durante o exercício
de nossas atividades, em uma proposta para uma nova reorganização da
Administração das Belas Artes, que tem como objetivo promover a Exposição e os
interesses das artes e dos artistas.
As administrações anteriores que governaram a França quase destruíram a arte
sob sua proteção, ao suprimir sua espontaneidade. Essa abordagem feudal,
sustentada por um governo despótico e discricionário, não produziu nada além de
arte aristocrática e teocrática, justamente o oposto das tendências modernas,
de nossas necessidades, de nossa filosofia, e da revelação do homem
manifestando sua individualidade e sua independência física e moral. Hoje, numa
época em que a democracia deve reger todas as coisas, seria ilógico a arte, que
conduz o mundo, ficar para trás na revolução que está ocorrendo agora na
França.
Para alcançar esse objetivo, discutiremos em uma assembléia de artistas os
planos, projetos e idéias que nos serão submetidos, no intuito de realizar uma
nova reorganização da arte e de seus interesses materiais.
Não há dúvidas que o governo não deve tomar a dianteira em questões públicas,
pois não é capaz de carregar em seu interior o espírito de uma nação;
consequentemente, qualquer proteção será em si mesma prejudicial. As academias
e o Instituto, que apenas promovem a arte convencional e banal, para que sejam
julgados por seus integrantes, opõem-se necessária e sistematicamente a novas
criações da mente humana e infligem a morte de mártires em todos os homens inventivos
e talentosos, em detrimento de uma nação e para a glória de uma tradição e
doutrina estéreis.
Vejam, por exemplo, o caso deplorável da École des Beaux-Arts, favorecida e
subsidiada pelo governo. Essa escola não apenas desvia nossos jovens, mas nos
priva da arte francesa, com suas finas procedências, favorecendo, sobretudo, a
tradição túrgida e religiosa italiana, que vai de encontro ao espírito da nossa
nação. Essas condições podem apenas perpetuar a arte pela arte e a produção de
trabalhos estéreis, sem caráter ou convicção, enquanto nos privam de nossa
própria história e espírito sem qualquer compensação.
Portanto, para tomarmos decisões sobre bases mais racionais e mais adequadas
aos nossos interesses comuns, no intuito de abolir os privilégios, as falsas
distinções que estabelecem entre nós hierarquias perniciosas e ilusórias, é
desejável que os artistas (como nas províncias e em todos os países vizinhos)
definam seu próprio curso. Deixe que eles determinem como farão as exposições;
deixe que definam a composição dos comitês; deixe que obtenham o local onde
será a próxima exposição. Isso pode ser resolvido até 15 de maio, pois é
urgente que todos os franceses comecem a ajudar o país a se salvar de um imenso
cataclismo.
É impossível que qualquer artista não tenha um ou dois trabalhos que ainda não
tenham sido exibidos. Para os demais, chamaremos artistas estrangeiros.
Excluiremos, certamente, os artistas alemães, mesmo que isso seja contrário aos
princípios da descentralização e solidariedade. Mas os alemães, após terem se
beneficiado de aquisições francesas e comissões por tanto tempo sem
reciprocidade, nos obrigam, por sua traição e espionagem, a tomar tal atitude
nesse momento.
O local de encontro será anunciado em breve, bem com o as propostas a serem
submetidas aos artistas.
Saudações fraternais,
G. Courbet”
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