segunda-feira, 6 de julho de 2015

Lembranças de uma greve.

A postagem tem por objetivo lembrar um episódio importante dos/as oprimidos/as no mundo do trabalho nas cidades brasileiras, a greve geral de 1917. No intuito de lembrar, publico um trecho de Edgar Leueroth sobre o terrível episódio da repressão policial contra a luta da classe trabalhadora e um recorte do texto de Nicolina Luiza de Petta. 

Um relato da repressão por Edgard Leueroth, anarquista e editor do Jornal Operário A Plebe.


Edgar no dia da sua prisão na greve geral.

"O enterro dessa vitima da reação foi uma das mais impressionantes demonstrações populares até então verificadas em São Paulo. Partindo o féretro da Rua Caetano Pinto, no Brás, estendeu-se o cortejo, como um oceano humano, por toda a avenida Rangel Pestana até a então Ladeira do Carmo em caminho da Cidade, sob um silencio impressionante, que assumiu o aspecto de uma advertência. Foram percorridas as principais ruas do centro. Debalde a Policia cercava os encontros de ruas. A multidão ia rompendo todos os cordões, prosseguindo sua impetuosa marca até o cemitério. À beira da sepultura revezaram os oradores, em indignadas manifestações de repulsa à reação (…) No regresso do cemitério, uma parte da multidão reuniu-se em comício na Praça da Sé; a outra parte desceu para o Brás, até à rua Caetano Pinto, onde, em frente à casa da família do operário assassinado, foi realizado outro comício.


12 de julho de 1917 – Greve Geral no país por Nicolina Luiza de Petta. (recortes do texto original*).


No dia 12 de julho de 1917, a cidade de São Paulo parou: uma greve geral de cem mil trabalhadores paralisou o trabalho nas fábricas e transportes. Essa foi a greve de maior impacto do movimento operário no país nos primeiros anos da República. No Brasil, greve também era denominada parede, e o movimento grevista denominado paredista. O termo greve como sinônimo de paralisação do trabalho nasceu na França em referencia a Praça Grève, localizada em Paris, onde os operários desempregados reuniam-se na expectativa de serem chamados para trabalhar.

No início do século XX, crescia no Brasil a organização a mobilização dos trabalhadores com o objetivo de conquistar melhorias de vida e trabalho. Em 1903 foi criada a federação das associações de classe (posteriormente Federação Operária do rio de janeiro); em 1905, organizou-se a Federação Operária de São Paulo. Associações semelhantes foram criadas em outros estados brasileiros. Em 1906 foi realizado o 1º Congresso Operário Brasileiro. As greves tornaram-se constantes e, em alguns momentos, amplas e numerosas. Os anos de 1906, 1907, 1912 e 1913 foram de muita ação, assim como o ano de 1919. Os acontecimentos de 1917, porém, marcaram de forma mais profunda a história da luta de classes no Brasil. Esse ano foi de agitação operária, com a eclosão de greves em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No entanto, o movimento mais intenso nas cidades do Rio de Janeiro, então capital federal, e de São Paulo.

Um conjunto de fatores explica o clima de agitação social em 1917. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) levou à diminuição das importações e ao aumento da demanda por produtos nacionais; em 1916, as fábricas brasileiras ampliaram a produção e o número de empregos aumentou. Mas a guerra foi responsável também por um grande aumento no preço dos alimentos. Com os salários estagnados há anos, os trabalhadores não conseguiam suportar a elevação crescente do custo de vida.

Ao longo do primeiro semestre de 1917 ocorreram greves de diversas categorias, a maior parte no Rio de Janeiro. As principais reivindicações dos operários eram: aumento salarial, redução da jornada diária para oito horas, fim do trabalho noturno para mulheres e crianças, liberdade de associação e de manifestação, redução no preço dos aluguéis, melhoria dos transportes públicos.

No mês de Junho, o movimento grevista ganhou força na cidade de São Paulo com a paralisação dos operários do Cotonifício Crespi, aos quais irão se juntar, no início de julho, trabalhadores de outras fábricas têxteis e também de outros setores.


Fonte da imagem aqui.

No dia 9 de julho, segunda-feira, após um confronto com a polícia em frente à fábrica Antarctica Paulista, os operários em greve seguiram para o bairro do Brás para fazer piquete (impedir a entrada de trabalhadores que não aderiram à greve) na porta da fábrica de tecidos Mariângela. No local, cinquenta policiais a cavalo e trinta armados de fuzis tentaram dispersar a multidão; três operários ficaram feridos.

O governo determinou o fechamento da Liga Operária da Mooca, uma atuante organização operária de orientação anarquista, e da Escola Moderna, instituição de ensino libertária, onde estudavam filhos de operários. A alegação foi a de que eram locais de fomento das rebeliões.


Fonte da imagem aqui

Essas ações, vistas como arbitrariedades pelos trabalhadores aumentaram a tensão social. Como resposta, na noite do dia 9, os grevistas criaram o Comitê de Defesa Proletária (CDP), coordenado por Edgar Leuenroth, fundador do  jornal anarquista A Plebe. A orientação política predominante entre os operários em 1917 era o anarquismo. As tarefas do CDP eram difundir as reinvindicações de interesse dos grevistas.

No dia 10, o sapateiro espanhol José Iñeguez Martinez, 21 anos, baleado no confronto do dia anterior, morreu em decorrência do ferimento. O CDP decidiu fazer do enterro do trabalhador um grande movimento contra a ação violenta da polícia. Por intermédio da imprensa operária, o Comitê convocou a população a acompanhar o féretro.

José Iñeguez Martinez. Fonte da imagem aqui

Na manhã da quarta-feira, dia 11, cerca de dez mil pessoas, de acordo com o jornal operário Fanfulha, caminharam junto ao corpo do rapaz por várias ruas de São Paulo. A polícia, previamente informada do trajeto, colocou seu efetivo guardando as ruas, principalmente a Avenida Paulista, onde se localizavam os palacetes da elite paulistana. Após o enterro, o CDP conseguiu reunir cerca de três mil pessoas em um comício na Praça da Sé.

Foram registrados saques a estabelecimentos comerciais trabalhadores em greve apedrejaram fábricas e bondes e invadiram o Moinho Santista.  À tarde, empresários reunidos buscavam uma solução. Alguns, como Jorge Street, proprietário da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, entendiam que era preciso ceder e atender parte das reivindicações; outros, como o dono do Cotonifício, Rodolfo Crespi, onde começou a greve, mostravam-se irredutíveis, acreditando que a repressão conseguiria desmobilizar os trabalhadores.

Protesto que acompanhou o corpo do operário José. Fonte da imagem aqui.

Não foi o que aconteceu. No dia 12 a cidade parou: a greve atingiu os trabalhadores da Companhia de Gás e da Light, a companhia de energia elétrica, o que paralisou os bonés, principal meio de transporte público, Tinha início a greve geral. Havia cerca de 100 mil trabalhadores em greve na cidade, em um população estimada em 550 mil habitantes.

Um grupo de jornalistas se ofereceu para intermediar as negociações entre os trabalhadores, representados pelo CDP, e os patrões. Durante três dias – 13, 14 e 15 de julho de 1917 – buscou-se uma solução conciliadora. Na segunda-feira, dia 16, com a garantia de que suas principais reivindicações seriam atendidas, os trabalhadores votaram pelo fim da greve. No dia 17, a cidade começou a voltar ao normal, mas a experiência na capital paulista incentivou paralisações no interior e no litoral do estado e em outras unidades da Federação. A greve geral de 1917 mostrou que já não era possível ignorar a presença do operariado no conjunto de forças sócias em luta no Brasil.

Oficialmente, três pessoas morreram durante o conflito: o sapateiro Martinez, um outro operário e uma menina vítima de bala perdida. Calcula-se, porém, que o número de mortos tenha ficado em torno de uma dezena. (...)



* Texto na íntegra no “Dicionário de datas da história do Brasil, Circe Bittencourt (Organizadora), Editora Contexto, São Paulo. 2007

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