quarta-feira, 24 de junho de 2015

Adeus classe média

A dramaturgia "Adeus classe média" é uma brincadeira que realizei com estudantes de uma escola pública. Aproveitei a ida do professor e escritor Alberto Ferreira para uma atividade de literatura. Então, tentei adaptar sem nenhuma atividade com pretensão artística. A meninada leu, uns gostaram, a maioria achou chato. Eu deixei duas notas que pede para melhorar o texto, pois na leitura ficou truncada. 

ADEUS CLASSE MÉDIA[i]

João Pedro, Cristina e seu Guilherme

CENA 01

João Pedro está com o rosto grudado no rádio  para saber o resultado da loteria. No fundo da cena, Cristina realiza os serviços domésticos e mantém um olhar de reprovação para João Pedro. O elenco que não está na cena ficará sentado a direito da cena.

Cristina (olha pra plateia): Agora está com essa mania. É chegar do trabalho, que começa beber. Parece que tá com o demonho no corpo. (olha pro céu) Deus me livre.

João Pedro (concentrado no rádio): É hoje, muiê...

Cristina: ele dessa mania de beber, jogar....

João Pedro (cantarola a música do Engenheiros do Hawaii): “...ando só/como um pássaro voando/ando só/como se voasse em bando/ando só/pois só eu sei andar/sem saber até quando/ando só...”

Cristina: Vai canta, canta essas músicas do demonho. É melhor acordar. Já tem 20 anos que você chegou aqui. Não é mais sozinho. Você tem eu e tem Deus. Anda só, que nada.

João Pedro: Ganhamos, ganhamos... Meu Deus do céu. Ganhamos! Olha, Cristina, vem ver. Me ajuda a conferir que eu to tremendo. Meus Deus do céu. Ganhamos! Vai, escuta aqui, vai repetir, escuta se é isso mesmo!

Cristina: Ganhamos, ganhamos... Meu Deus do céu. Ganhamos!
O casal se abraça. João Pedro vai beijar Cristina.

Cristina: Não é pra tanto, ainda mais com esse bafo de cachaça

João Pedro: Nem à noite?

Cristina: Vou pensar...

João Pedro: (Cantarola) Hey mãe, eu vou comprar uma guitarra elétrica...

Cristina: Tú não tem mais (Olha para o céu, como se estive reproduzindo uma fala divina) idade pra isso. Louvado seja Jesus, agora vou poder descansar dessa vida ingrata.

João Pedro: (Fala com convicção) E eu, nunca mais trabalho na vida. Cristina, nunca mais! Eu vou é cantar uns rocks por aí.... sabe, eu vou é mandar aquele desgraçado...

Cristina: ...Que desgraçado?

João Pedro: o patrão! Eu vou mandar pra p....

Cristina: Homem, tenha um pouco de respeito.

João Pedro: Eu vou chegar no serviço e gritar (grita bem alto) Sai de mim seu demonho!!!

Cristina: (olha ao céu) Deus perdoa esse homem.

João Pedro: E os puxa saco (Pausa, vai o rosto expressa que formula uma ideia muito engenhosa e vingativa) deuzomelivre.

Cristina: Vamos morar numa casa com piscina João. Meu sonho! Quero ver essas vizinhas fofoqueiras de queixo caído, e eu vou convidar só uma vez, hein! Vou convidar elas para irem a nossa casa nova, dar um chazinho e uns quitutes iguais da casa da patroa e depois mando embora, para nunca mais voltarem. (O trecho precisa de mais fluidez na hora de ganhar a “embocadura”. O texto precisa melhorar)

João Pedro: E eu vou comprar um carro novinho, zerinho. Oficina mecânica? Nunca mais! Um carrão com um som de arrepiar, como dos guris que ficam na ponte...

Cristina: Mas tu não tem mais idade pra isso...

João Pedro: Vou até a casa da minha mãe, pegar a estrada por 12 horas para mostrar que venci na vida. Adeus zarcão! Adeus vida de mecânico em concessionária! Adeus carro velho! (olha pro público) Adeus dessa classe de fodidos e mal pagos.

Cristina: Louvado seja Jesus.

João Pedro: Temos que dar um dinheiro pra mãe, né?

Cristina: É, mas se dermos para sua mãe, vamos ter que dar pra minha irmã Angela.

João Pedro: Eu não vou dar nada pra aquela zolhuda. Ela só avacalhou com a nossa vida.

Cristina: Ah, vai sim! Ela é minha irmã, João. É sangue do meu sangue.

João Pedro: É, mas na hora de pagar o dinheiro que ela emprestou pro zoneiro do marido gastar, ela não se lembrou disso.

Cristina: Creia em Deus pai, João, Até quando você vai jogar na minha cara? Atpe o fim da minha vida?
Cristina fica irritada e vira de costas para o público. João Pedro pensa e resolve pedir desculpas.

João Pedro: Tá bom, tá bom, meu cheiro. Vamos ajudar todo mundo. Eu faço questão de dar uns dez mil pra sua irmã. Está bom assim? E dou quinze mil pra mãe, que tá velhinha, a coitada.

Cristina: E pro Tio Ulisses? Nós juramos prestar uma ajuda quando as coisas melhorasse...

João Pedro: Que merda, é verdade, agora vamos ter que ajudar.

Cristina: Eu disse para não promoter nada. Deveria ter dito que ia ajudar com um pacote de arroz, mas só deveíz em quando, mas tu não deixa a oportunidade de prometer o mundo. Até parece que é aquela Santa Beata lá que ajudava os pobres.

João Pedro: Vamos dar cinco mil pro velho, é mais dinheiro que ele viu em toda vida. Olha, pra quem pescava em São Chico, e aqui, vende rede, cinco paus é muita grana.
João Pedro começa a sair da cena.

Cristina: Onde tu vai?

João Pedro: Vou lá no seu Guilherme dar uma bebemorada. (vai saindo da cena). 

CENA 02

Cristina começa caminhar pela cena, demonstrando alegria e ansiedade.

Cristina: Cadê o telefone? (Encontra o aparelho telefônico e disca o número). Oi Mana, tudo bem contigo? Aqui ta ótimo, uma maravilha. Não, não... ele continua bebendo. Mana... Amanha é um grande dia. Eu não vou falar agora, amanha eu ligo pra você, mas já adianto que no domingo, eu quero todo mundo aqui em casa. Tchau.

Cristina começa olhar pela janela lateral e procura por alguém.

Será que a Dona Dominga está acordada? (Olha para lateral da cena). O Dona Dominga...tudo bem? (Pausa para Dona Dominga responder) A senhora sabe se a sua filha ainda quer vender aquela casona com piscina e tudo? (Pausa para Dona Dominga responder) Eu quero comprar. (Pausa para Dona Dominga responder) Não farei financiamento, será a vista, no dinheiro. A senhora me passa o número de telefone dela? (Pausa para Dona Dominga responder) Espera que vou buscar papel e caneta. (vá até a mesa do telefone para buscar o papel). Pode falar... Obrigado.

Essa veia vai tratar de contar para todo mundo. Amanha estarão todos por aqui para saber o aconteceu conosco. Que bom!


CENA 03

João Pedro: (Entra no bar) Pode parar com todos os trabalhos. Parem com tudo isso que estão fazendo. (Aponta para o rádio e diz impaciente) Desliga, o rádio Guilherme. E sem pensar duas vezes, pede pra menina fritar mais coxinhas..

Seu Guilherme: O que é isso, João Pedro? Já ta possuído pelo cão da cachaça? Deixa a Cristina já chegou bêbado aqui..

João Pedro: Eu sou fiel a minha esposa, (aponta o dedo para o céu) tenho Deus como testemunha...

Seu Guilherme: Deixa o Cara lá de cima de fora disso.

João Pedro: E tenho o velho Zé Maneca, que fica 26 horas na frente do teu boteco. El vai confirmar que eu só bebo em casa ou aqui. Só nesses dois lugares. Os meus verdadeiros santuários.

Seu Guilherme: Deixa disso, o homem já não anda. Agora você vai 
julgar que ele fica observando o movimento?

João Pedro: Eu não vou fazer esse homem andá. Isso é obra pro Cara lá de cima que Cristina tanto reza. Mas vou providenciar uma cadeira de rodas muito massa, vai ter até porta copo de pinga.

Seu Guilherme: Tu vai dedicar à vida pros mais necessitados ou (fala arrastado) como aqueles patrões que descem lenha nos peões na empresa que é dono. Mas no dia das crianças, da páscoa, das crianças e na véspera de Natal chega até aqui para praticar o espírito da solidariedade? (O trecho está muito trucado. É preciso melhorar)

João Pedro: Como já cantaram “Amanha será um novo dia cheio de harmonia...”

Seu Guilherme: Aí, meu Deus, vai é virar político desses partidos nanicos que falam em salvar os pobres.

João Pedro: Nada disso, Seu Guilherme. Eu vou é virar classe média. Na verdade, eu já virei, só falta o dinheiro cair na conta.

Seu Guilherme: Tú sabe que hoje em dia, ser de classe média é dever na praça?

João Pedro: Caramba. Há quanto tempo à gente se conhece? Tu não podes ver um homem feliz que já começa a invejar, a tirar uma casca.

Seu Guilherme: Vai começar bate boca?

João Pedro: Nada disso. Desce uma rodada de gelada pra todo mundo. E tem mais, pra quem chegar nos próximos cinco minutos, também será por minha conta. Pode chamar os maconheirinhos da ponte.

Seu Guilherme: Deixa os meninos, é só uma gurizada que ta procurando algo pra fazer.

João Pedro: Uma ponte como área de lazer é pr `acaba. Eu vou fazer uma quadrinha de salão e um parquinho aqui, perto da ponte.

Seu Guilherme: Já começou a campanha eleitoral?

João Pedro: (Ignora a pergunta do Seu Guilherme) Se hoje foi o dia. Amanha será o grande dia. (levanta e saí da cena) No finalzinho do dia volto pra pagar tudo....me aguardem.

CENA 04

João Pedro está sozinho na cena. Anda nas pontas dos pés. Demonstra ansiedade. Cristina entra na cena.

Cristina: Já acordado?

João Pedro: Não preguei os olhos, quando pegava no sono, eu acordava com um susto.

Cristina: Isso é ansiedade.

João Pedro: Ansiedade! Deve ser ansiedade pra levar uma vida decente. Enquanto todo mundo trabalha, trabalha, faz financiamento, paga prestação e fica devendo cada vez mais.... Eu tive a sorte. Que fortuna me espera!

Cristina: Nos espera.

João Pedro: Eu vou pra fila da Caixa. Não vou esperar até as onze horas.

Cristina: Mas são setes e meia.

João Pedro: Eu vou é agora... (Ele parte sem se despedir)

Cristina: E o meu beijo....

CENA 05

Cristina está sozinha em cena. Limpa toda a casa. A intenção da limpeza é para representar a passagem do tempo. Pode utilizar movimentações para despertar o riso da plateia. Antes de representar que terminou a limpeza, encontra o aparelho telefônico e faz uma ligação.

Cristina: (ao telefone) Aí menina, eu comprei umas coisinhas na Magazine, já fiz um pedido especial para um churrasco comemorativo. Não, a Kombi ainda não trouxe. Comprei só coisa fina, nada de segunda. Afinal, é um momento especial. Tenha calma, eu vou contar o motivo da alegria, mas só na festa.
Pedro entra na casa em completo silêncio.

Cristina: (Olha para o céu) Deus do céu. Que alegria o Senhor me deu.

João Pedro: É bom começar a rezar pela multiplicação do pão.

Cristina: Eu já fiz o pedido pra comemorar a nossa subida para classe média.
(João Pedro continua em silêncio)

Cristina: Vamos diga, logo, o quanto deu em dinheiro? Cadê? (Procura pelos bolsos do João Pedro) Eu não estou vendo o volume nos seus bolsos, nem em suas mãos. Meus Deus, deve ser tanto que não teve como trazer. Vamos, diga logo. Quanto ganhou? Vai me dizer que não ganhou nada?

João Pedro: (sem demonstrar alegria) Sim. Eu ganhei.

Cristina: João Pedro pára com isso logo.... Você ta me deixando preocupada. O que foi que aconteceu na Caixa?

João Pedro: (demonstra preocupação.) Ganhamos!

Cristina: O sangue de Jesus tem poder!!!

João Pedro: Nós ganhamos. Ganhamos uma fortuna que foi dividida entre 364 ganhadores. Com a divisão de R$ 18,90 pra gente.

Cristina: Que droga.

(Entra o Seu Guilherme)

Seu Guilherme: Vai pagar a conta hoje ou não?

João Pedro: (olha para plateia) Adeus classe média.

FIM



[i] Livremente adaptado/inspirado no conto “Adeus Classe Média”, de Alberto Ferreira, publicado no livro “O cantador de memórias”. 

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