A dramaturgia "Adeus classe média" é uma brincadeira que
realizei com estudantes de uma escola pública. Aproveitei a ida do professor e escritor Alberto Ferreira para uma atividade de literatura. Então, tentei adaptar sem nenhuma atividade com
pretensão artística. A meninada leu, uns gostaram, a maioria achou chato. Eu deixei duas notas que pede para melhorar o texto, pois na leitura ficou truncada.
ADEUS
CLASSE MÉDIA[i]
João Pedro, Cristina e
seu Guilherme
CENA
01
João
Pedro está com o rosto grudado no rádio
para saber o resultado da loteria. No fundo da cena, Cristina realiza os
serviços domésticos e mantém um olhar de reprovação para João Pedro.
O elenco que não está na cena ficará
sentado a direito da cena.
Cristina
(olha pra plateia): Agora está com
essa mania. É chegar do trabalho, que começa beber. Parece que tá com o demonho
no corpo. (olha pro céu) Deus me
livre.
João
Pedro (concentrado
no rádio): É hoje, muiê...
Cristina:
ele dessa mania de beber, jogar....
João
Pedro (cantarola a
música do Engenheiros do Hawaii): “...ando só/como um pássaro voando/ando
só/como se voasse em bando/ando só/pois só eu sei andar/sem saber até quando/ando
só...”
Cristina:
Vai canta, canta essas músicas do demonho. É melhor acordar. Já tem 20 anos que
você chegou aqui. Não é mais sozinho. Você tem eu e tem Deus. Anda só, que
nada.
João
Pedro: Ganhamos, ganhamos... Meu Deus do céu. Ganhamos!
Olha, Cristina, vem ver. Me ajuda a conferir que eu to tremendo. Meus Deus do
céu. Ganhamos! Vai, escuta aqui, vai repetir, escuta se é isso mesmo!
Cristina:
Ganhamos, ganhamos... Meu Deus do céu. Ganhamos!
O
casal se abraça. João Pedro vai beijar Cristina.
Cristina:
Não é pra tanto, ainda mais com esse bafo de cachaça
João
Pedro: Nem à noite?
Cristina:
Vou pensar...
João
Pedro: (Cantarola)
Hey mãe, eu vou comprar uma guitarra elétrica...
Cristina:
Tú não tem mais (Olha para o céu, como se
estive reproduzindo uma fala divina) idade pra isso. Louvado seja Jesus,
agora vou poder descansar dessa vida ingrata.
João
Pedro: (Fala com convicção)
E eu, nunca mais trabalho na vida. Cristina, nunca mais! Eu vou é cantar uns
rocks por aí.... sabe, eu vou é mandar aquele desgraçado...
Cristina:
...Que desgraçado?
João
Pedro: o patrão! Eu vou mandar pra p....
Cristina:
Homem, tenha um pouco de respeito.
João
Pedro: Eu vou chegar no serviço e gritar (grita bem alto) Sai de mim seu
demonho!!!
Cristina:
(olha ao céu) Deus perdoa esse homem.
João
Pedro: E os puxa saco (Pausa, vai o rosto expressa que formula uma ideia muito engenhosa e
vingativa) deuzomelivre.
Cristina: Vamos morar numa casa com
piscina João. Meu sonho! Quero ver essas vizinhas fofoqueiras de queixo caído,
e eu vou convidar só uma vez, hein! Vou convidar elas para irem a nossa casa
nova, dar um chazinho e uns quitutes iguais da casa da patroa e depois mando
embora, para nunca mais voltarem. (O
trecho precisa de mais fluidez na hora de ganhar a “embocadura”. O texto
precisa melhorar)
João
Pedro: E eu vou comprar um carro novinho, zerinho.
Oficina mecânica? Nunca mais! Um carrão com um som de arrepiar, como dos guris
que ficam na ponte...
Cristina:
Mas
tu não tem mais idade pra isso...
João
Pedro: Vou até a casa da minha mãe, pegar a estrada por
12 horas para mostrar que venci na vida. Adeus zarcão! Adeus vida de mecânico
em concessionária! Adeus carro velho! (olha
pro público) Adeus dessa classe de fodidos e mal pagos.
Cristina:
Louvado seja Jesus.
João
Pedro: Temos que dar um dinheiro pra mãe, né?
Cristina:
É, mas se dermos para sua mãe, vamos ter que dar pra minha irmã Angela.
João
Pedro: Eu não vou dar nada pra aquela zolhuda. Ela só
avacalhou com a nossa vida.
Cristina:
Ah, vai sim! Ela é minha irmã, João. É sangue do meu sangue.
João
Pedro: É, mas na hora de pagar o dinheiro que ela emprestou
pro zoneiro do marido gastar, ela não se lembrou disso.
Cristina:
Creia em Deus pai, João, Até quando você vai jogar na minha cara? Atpe o fim da
minha vida?
Cristina
fica irritada e vira de costas para o público. João Pedro pensa e resolve pedir
desculpas.
João
Pedro: Tá bom, tá bom, meu cheiro. Vamos ajudar todo
mundo. Eu faço questão de dar uns dez mil pra sua irmã. Está bom assim? E dou
quinze mil pra mãe, que tá velhinha, a coitada.
Cristina:
E pro Tio Ulisses? Nós juramos prestar uma ajuda quando as coisas melhorasse...
João
Pedro: Que merda, é verdade, agora vamos ter que ajudar.
Cristina:
Eu disse para não promoter nada. Deveria ter dito que ia ajudar com um pacote
de arroz, mas só deveíz em quando, mas tu não deixa a oportunidade de prometer
o mundo. Até parece que é aquela Santa Beata lá que ajudava os pobres.
João
Pedro: Vamos dar cinco mil pro velho, é mais dinheiro que
ele viu em toda vida. Olha, pra quem pescava em São Chico, e aqui, vende rede,
cinco paus é muita grana.
João
Pedro começa a sair da cena.
Cristina:
Onde tu vai?
João
Pedro: Vou lá no seu Guilherme dar uma bebemorada. (vai saindo da cena).
CENA
02
Cristina
começa caminhar pela cena, demonstrando alegria e ansiedade.
Cristina:
Cadê o telefone? (Encontra o aparelho
telefônico e disca o número). Oi Mana, tudo bem contigo? Aqui ta ótimo, uma
maravilha. Não, não... ele continua bebendo. Mana... Amanha é um grande dia. Eu
não vou falar agora, amanha eu ligo pra você, mas já adianto que no domingo, eu
quero todo mundo aqui em casa. Tchau.
Cristina
começa olhar pela janela lateral e procura por alguém.
Será que a Dona Dominga
está acordada? (Olha para lateral da cena).
O Dona Dominga...tudo bem? (Pausa para
Dona Dominga responder) A senhora sabe se a sua filha ainda quer vender
aquela casona com piscina e tudo? (Pausa
para Dona Dominga responder) Eu quero comprar. (Pausa para Dona Dominga responder) Não farei financiamento, será a
vista, no dinheiro. A senhora me passa o número de telefone dela? (Pausa para Dona Dominga responder) Espera
que vou buscar papel e caneta. (vá até a
mesa do telefone para buscar o papel). Pode falar... Obrigado.
Essa veia vai tratar de
contar para todo mundo. Amanha estarão todos por aqui para saber o aconteceu
conosco. Que bom!
CENA
03
João
Pedro: (Entra no bar) Pode parar com todos os
trabalhos. Parem com tudo isso que estão fazendo. (Aponta para o rádio e diz impaciente) Desliga, o rádio Guilherme. E
sem pensar duas vezes, pede pra menina fritar mais coxinhas..
Seu
Guilherme: O que é isso, João Pedro? Já ta possuído pelo cão
da cachaça? Deixa a Cristina já chegou bêbado aqui..
João
Pedro: Eu sou fiel a minha esposa, (aponta o dedo para o céu) tenho Deus como testemunha...
Seu
Guilherme: Deixa o Cara lá de cima de fora disso.
João
Pedro: E tenho o velho Zé Maneca, que fica 26 horas na
frente do teu boteco. El vai confirmar que eu só bebo em casa ou aqui. Só
nesses dois lugares. Os meus verdadeiros santuários.
Seu
Guilherme: Deixa disso, o homem já não anda. Agora você vai
julgar que ele fica observando o movimento?
João
Pedro: Eu não vou fazer esse homem andá. Isso é obra pro
Cara lá de cima que Cristina tanto reza. Mas vou providenciar uma cadeira de rodas
muito massa, vai ter até porta copo de pinga.
Seu Guilherme: Tu vai dedicar à vida pros mais necessitados ou (fala arrastado) como aqueles patrões que descem lenha nos peões na empresa que é dono. Mas no dia das
crianças, da páscoa, das crianças e na véspera de Natal chega até aqui para
praticar o espírito da solidariedade? (O
trecho está muito trucado. É preciso melhorar)
João
Pedro: Como já cantaram “Amanha será um novo dia cheio de
harmonia...”
Seu
Guilherme: Aí, meu Deus, vai é virar político desses partidos
nanicos que falam em salvar os pobres.
João
Pedro: Nada disso, Seu Guilherme. Eu vou é virar classe
média. Na verdade, eu já virei, só falta o dinheiro cair na conta.
Seu
Guilherme: Tú sabe que hoje em dia, ser de classe média é
dever na praça?
João
Pedro: Caramba. Há quanto tempo à gente se conhece? Tu
não podes ver um homem feliz que já começa a invejar, a tirar uma casca.
Seu
Guilherme: Vai começar bate boca?
João
Pedro: Nada disso. Desce uma rodada de gelada pra todo
mundo. E tem mais, pra quem chegar nos próximos cinco minutos, também será por
minha conta. Pode chamar os maconheirinhos da ponte.
Seu
Guilherme: Deixa os meninos, é só uma gurizada que ta
procurando algo pra fazer.
João
Pedro: Uma ponte como área de lazer é pr `acaba. Eu vou
fazer uma quadrinha de salão e um parquinho aqui, perto da ponte.
Seu
Guilherme: Já começou a campanha eleitoral?
João
Pedro: (Ignora a
pergunta do Seu Guilherme) Se hoje foi o dia. Amanha será o grande dia. (levanta e saí da cena) No finalzinho do
dia volto pra pagar tudo....me aguardem.
CENA
04
João
Pedro está sozinho na cena. Anda nas pontas dos pés.
Demonstra ansiedade. Cristina entra na
cena.
Cristina:
Já acordado?
João
Pedro: Não preguei os olhos, quando pegava no sono, eu
acordava com um susto.
Cristina:
Isso é ansiedade.
João
Pedro: Ansiedade! Deve ser ansiedade pra levar uma vida
decente. Enquanto todo mundo trabalha, trabalha, faz financiamento, paga
prestação e fica devendo cada vez mais.... Eu tive a sorte. Que fortuna me
espera!
Cristina:
Nos espera.
João
Pedro: Eu vou pra fila da Caixa. Não vou esperar até as
onze horas.
Cristina:
Mas são setes e meia.
João
Pedro: Eu vou é agora... (Ele parte sem se despedir)
Cristina:
E o meu beijo....
CENA
05
Cristina
está sozinha em cena. Limpa toda a casa. A intenção da limpeza é para
representar a passagem do tempo. Pode utilizar movimentações para despertar o
riso da plateia. Antes de representar que terminou a limpeza, encontra o
aparelho telefônico e faz uma ligação.
Cristina:
(ao telefone) Aí menina, eu comprei
umas coisinhas na Magazine, já fiz um pedido especial para um churrasco
comemorativo. Não, a Kombi ainda não trouxe. Comprei só coisa fina, nada de
segunda. Afinal, é um momento especial. Tenha calma, eu vou contar o motivo da
alegria, mas só na festa.
Pedro
entra na casa em completo silêncio.
Cristina:
(Olha para o céu) Deus do céu. Que
alegria o Senhor me deu.
João
Pedro: É bom começar a rezar pela multiplicação do pão.
Cristina:
Eu já fiz o pedido pra comemorar a nossa subida para classe média.
(João Pedro continua em
silêncio)
Cristina:
Vamos diga, logo, o quanto deu em dinheiro? Cadê? (Procura pelos bolsos do João Pedro) Eu não estou vendo o volume nos
seus bolsos, nem em suas mãos. Meus Deus, deve ser tanto que não teve como
trazer. Vamos, diga logo. Quanto ganhou? Vai me dizer que não ganhou nada?
João
Pedro: (sem
demonstrar alegria) Sim. Eu ganhei.
Cristina:
João Pedro pára com isso logo.... Você ta me deixando preocupada. O que foi que
aconteceu na Caixa?
João
Pedro: (demonstra
preocupação.) Ganhamos!
Cristina:
O sangue de Jesus tem poder!!!
João
Pedro: Nós ganhamos. Ganhamos uma fortuna que foi
dividida entre 364 ganhadores. Com a divisão de R$ 18,90 pra gente.
Cristina:
Que droga.
(Entra o Seu Guilherme)
Seu
Guilherme: Vai pagar a conta hoje ou não?
João
Pedro: (olha para
plateia) Adeus classe média.
FIM
[i]
Livremente adaptado/inspirado no conto “Adeus Classe Média”, de Alberto
Ferreira, publicado no livro “O cantador de memórias”.
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